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Dr. Marcus H. Martins  

 
  

Falsas
Imagens de Cristo

por Marcus H. Martins, Ph.D.

 

 

Discurso do Devocional
Brigham Young University-Hawaii
24 de Maio de 2001

 
Copyright 2001
Todos os Direitos Reservados
Editado em 25 Maio 2001



Ao ponderar sobre o que compartilhar com vocês, minha mente se concentrou num tema que vem me preocupando há algum tempo–as “falsas imagens de Cristo.” No entanto, a natureza do assunto e de minhas observações exigem que eu explique o porquê de eu estar abordando este tema. Porisso, como um prefácio às minhas ponderações, vou esclarecer o meu papel como professor universitário de religião. É bem possível um bom número de membros da Igreja tenha apenas uma vaga idéia do trabalho e do papel de um docente de religião, ou da diferença entre um professor universitário de religião e um professor de seminário ou instituto.

Ao contrário de um professor de seminário ou de instituto, professores de religião nas instituições da ensino superior da Igreja têm a responsabilidade--tal como todos os outros docentes de tempo integral--de se engajar em trabalhos intelectuais e criativos que venham a apoiar e fortalecer o ensino. Isso significa que como professor de religião a universidade espera que eu me empenhe em atividades intelectuais conduzidas com rigor científico, profundidade, e professionalismo que venham a gerar idéias que refinem o atual entendimento das doutrinas e princípios do evangelho; ou que ajudem a esclarecer e expandir a aplicação de doutrinas e princípios às questões, circunstâncias, ou dificuldades do mundo moderno em todas áreas do empreendimento humano--sejam de caráter social, econômico, político, ou científico. Também espera-se que professores de religião estabeleçam intercâmbio intelectual com outros estudiosos em religião e outras disciplinas, e que apresentem seu trabalhos em suas aulas, em reuniões formais de Igreja, conferências profissionais, e em publicações.

Visto que A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias é guiada por revelação divina, seus docentes de religião não desenvolvem novas doutrinas, princípios, nem mandamentos. No entanto, pessoalmente eu considero que o papel de um professor universitário de religião é o de apoiar a Primeira Presidência, o Quorum dos Doze, e outras autoridades da Igreja--gerais, de área, ou locais--em seus esforços para (1) manter e salvaguardar a pureza doutrinária; (2) encorajar perfeita compreensão, interpretação, e aplicação das doutrinas; (3) procurar informação histórica exata sobre a Igreja em qualquer de suas dispensações; e (4) edificar pontes de entendimento e amizade com outras religiões.

Ao realizar estas coisas nós alcançaremos algumas das metas educacionais da universidade: ajudar nossos alunos a aprender as verdades do evangelho, ganhar ou fortalecer um testemunho de Jesus Cristo e de sua Igreja, viver vidas justas, e servir ao próximo.

Com esta visão de meus deveres e papel em mente, eu agora vou explicar o meu tema. Já faz algum tempo que eu tenho me preocupado com algumas tendências recentes que ao meu ver têm o potencial de causar sérios danos à verdadeira fé em Cristo. O Profeta Joseph Smith explicou o seguinte sobre a verdadeira fé:

“[Três] coisas são necessárias a fim de que qualquer ser racional e inteligente possa exercitar fé em Deus para a vida e salvação. Primeiro, a idéia que ele realmente existe. Segundo, uma idéia correta de seu caráter, perfeições, e atributos. Terceiro, um conhecimento efetivo de que o curso de sua vida está em harmonia com a vontade de Deus. ... [Sem] um conhecimento destes três fatos importantes, a fé de todo ser racional torna-se imperfeita e improdutiva; mas com este entendimento pode tornar-se perfeita, frutífera, e cheia de retidão ...” (Lectures on Faith (Preleções sobre a Fé), tradução livre da página 13 em inglês)

Gostaria de chamar sua atenção para o segundo requisito mencionado pelo profeta Joseph Smith: “uma idéia correta do caráter, perfeições, e atributos [do Senhor]”. Baseado nesta declaração, vemos que qualquer tentativa de retratar ou descrever o Senhor de uma maneira incorreta pode levar indivíduos a desenvolverem ou exercitarem fé improdutivamente–significando que a despeito de sua crença, sem um conhecimento correto do caráter e atributos de Deus tais indivíduos podem acabar nutrindo expectativas de bênçãos que nunca seriam realizadas, e isso geraria frustração e decepção.

Nos últimos anos eu tenho notado uma tendência de substituir noções corretas sobre o Salvador Jesus Cristo com o que que eu chamaria de “imagens.” Alguns de vocês podem perguntar por quê eu intitulei meu discurso “Falsas Imagens Cristo” ao invés de “falsos cristos”. A diferença no título refere-se ao que eu vejo como a criação e disseminação não de falsos cristos no sentido tradicional, mas de “imagens”–invenções humanas criadas para substituir o original, não necessariamente em sua totalidade. Em outras palavras, estas imagens conservam alguns dos atributos do verdadeiro Cristo, mas não todos. Além disso, elas adicionam outras características ao seu caráter que até onde as escrituras atualmente disponíveis nos revelam, não eram parte da personalidade perfeita do Salvador.

Eu vou discutir três destas falsas “imagens” de Cristo: (1) o Reformador Social; (2) o Motivador; e (3) o Companheiro Divino.

Estas imagens têm as seguintes características em comum: (a) isolam ou focalizam conseqüências da influência de Jesus Cristo nos negócios humanos; (B) só ligeiramente, se é que o fazem, plenamente reconhecem a fonte daquela influência, que é a divindade de Cristo; e por causa disso (c) elas não proporcionam a adoração reverente que convém a um membro da Trindade. No testemunho da primeira visão do Profeta Joseph Smith encontramos a avaliação do Salvador dos credos então existentes do mundo: “ ... eles se aproximam de mim com os lábios, mas seu coração está longe de mim; ensinam como doutrina os mandamentos de homens, tendo aparência de religiosidade, mas negam o seu poder.” (Joseph Smith-História 1:19)

 


Falsa Imagem #1: O Reformador Social
Certo dia em novembro de 1978 eu ensinei a primeira palestra missionária a um rapaz muito inteligente quem tinha várias perguntas sobre Deus e sobre religião. Quando meu companheiro e eu começamos a conversar com ele sobre tais questões, ele declarou: “Eu só posso acreditar num deus que é tal como eu--imperfeito e falível. Qualquer outra concepção de deus é inaceitável para mim.” Hoje, quase 30 anos mais tarde, um número crescente de teólogos e estudiosos da Bíblia têm tentado ativamente desacreditar textos escriturísticos, e empregando deconstrucionismo, tentam reduzir o Salvador ao nível de um mero reformador social polêmico, com poderes e papel nada divinos.

Apesar do fato de que as escrituras são incompletas e de que existem dúzias de textos antigos cuja autenticidade é questionável, temos testemunhos contemporâneos de apóstolos e profetas concernentes a Jesus Cristo. Ao invés de procurar o personagem imaginário comumente chamado pelos estudiosos de “Jesus histórico” basta lermos o testemunho do Profeta Joseph Smith para encontrar o verdadeiro Cristo em toda sua majestade e glória. Os Santos dos Últimos Dias não acreditam numa figura ambígua ou polêmica do mundo antigo. Mas sim naquele que nas palavras de anjos e profetas é “... o Senhor Deus Onipotente que reina, que era e é de toda a eternidade para toda a eternidade” (Mosias 3:5; 5:15), ou como descrito por Isaías, ele é o “Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.” (Isaías 9:6)

Ao esforço moderno de considerar as escrituras como mitos e de atribuir os milagres de Cristo e sua ressurreição a dissimulações criadas no primeiro século, nós respondemos com os testemunhos contidos no Livro de Mórmon e em Doutrina & Convênios. No resumo de Mórmon do ministério do Salvador entre os Nefitas e Lamanitas depois de sua ressurreição, nós lemos que uma multidão de aproximadamente 2.500 pessoas “... se adiantou e meteu as mãos no seu lado, e apalpou as marcas dos cravos em suas mãos e seus pés; e isto fizeram, adiantando-se um por um, até que todos viram com os próprios olhos, e apalparam com as mãos, e souberam com toda certeza, testemunhando que ele era aquele sobre quem os profetas escreveram que haveria de vir.” (3 Néfi 11:15)

E em nossa era o Profeta Joseph Smith e o irmão Sidney Rigdon testificaram o seguinte: “E contemplamos a glória do Filho, à direita do Pai, e recebemos de sua plenitude; ... E agora, depois dos muitos testemunhos que se prestaram dele, este é o testemunho, último de todos, que nós damos dele: Que ele vive! Porque o vimos, sim, à direita de Deus; e ouvimos a voz testificando que ele é o Unigênito do Pai--Que por ele e por meio dele e dele os mundos são e foram criados; e seus habitantes são filhos e filhas gerados para Deus.” (Doutrina & Convênios 76:20,22-24)


Falsa Imagem #2: O Motivador
Vivemos numa era onde aparentemente tudo pode ser oferecido às massas como uma forma de entretenimento. Até mesmo a história é apresentada em versões modificadas, dramatizadas, e romanceadas para o gosto de um público que parece estar tão imerso nas complexidades da vida moderna que parece estar muito cansado para lidar com questões complexas do passado. Às vezes eu me pergunto se as platéias contemporâneas realmente acreditam que no dias antigos as pessoas paravam suas atividades diárias cada 6 minutos para cantar e dançar. Isso me lembra da sugestão do escritor Issac Asimov de que histórias apócrifas seriam mais atraentes que a realidade. (“Science, numbers, and I.” Garden City, N.Y.: Doubleday. 1968. Página 29)

Esta tendência de romancear ou dramatizar também chegou ao mundo da religião e dos textos sagrados, talvez como efeito colateral do processo de deconstrução que já discutimos. Eu chamo essa tendência de “popularização da divindade.” Eu uso o termo “popularização” para indicar a transformação de nosso Senhor e Redentor num orador de auto-ajuda glorificado: doce, poético, proferindo slogans triviais e insossos que poderiam muito bem ter sido criados por executivos de marketing ou psicólogos amadores. Trazendo ao mundo uma mensagem direcionada ao fortalecimento da auto-estima evitando questões difíceis e desconfortáveis tais como: leis eternas, a seriedade do pecado, a natureza inflexível da justiça, e a dor do arrependimento.

Aquilo que nós chamamos de “evangelho restaurado” é mais do que uma simples filosofia de vida projetada para fazer as pessoas “sentir-se bem”. Podemos dizer que este evangelho é composto dos seguintes elementos: doutrinas & princípios; leis, convênios e ordenanças; e padrões. Permitam-me propor algumas definições para estes conceitos e explicar como eles se relacionam. À medida em que faço isto, espero conseguir explicar porquê a falsa imagem do Salvador como motivator é problemática.

Usando definições encontradas no dicionário, podemos definir “doutrinas” como declarações sistematizadas de princípios baseados nos quais o Senhor estabelece suas ações e seus mandamentos. “Princípios” podem ser definidos como verdades fundamentais que servem de base para várias outras verdades.

A doutrina de Cristo foi delineada pelo próprio Salvador no Livro de Mórmon:

“Eis que em verdade, em verdade vos digo que eu vos declararei minha doutrina. E esta é minha doutrina e é a doutrina que o Pai me deu; e dou testemunho do Pai e o Pai dá testemunho de mim e o Espírito Santo dá testemunho do Pai e de mim; e eu dou testemunho de que o Pai ordena a todos os homens, em todos os lugares, que se arrependam e creiam em mim.

“E os que crerem em mim e forem batizados, esses serão salvos; e eles são os que herdarão o reino de Deus. E os que não crerem em mim e não forem batizados, serão condenados.

“Em verdade, em verdade vos digo que esta é minha doutrina e dela vos dou testemunho, vindo do Pai; e todo aquele que crê em mim, crê também no Pai; e a ele o Pai dará testemunho de mim, pois visita-lo-á com fogo e com o Espírito Santo. E assim o Pai dará testemunho de mim e o Espírito Santo dará testemunho do Pai e de mim; pois o Pai e eu e o Espírito Santo somos um.

“E novamente vos digo que vos deveis arrepender e tornar-vos como uma criancinha e serdes batizados em meu nome, ou não podereis, de modo algum, receber estas coisas. E novamente vos digo que vos deveis arrepender e ser batizados em meu nome e tornar-vos como uma criancinha, ou não podereis, de modo algum, herdar o reino de Deus.

Em verdade, em verdade vos digo que esta é minha doutrina e os que edificam sobre isto edificam sobre minha rocha; e as portas do inferno não prevalecerão contra eles.

“E aqueles que declararem mais ou menos do que isto e estabelecerem-no como minha doutrina, esses vêm do mal e não edificam sobre a minha rocha, mas edificam sobre um alicerce de areia; e as portas do inferno estarão abertas para recebê-los quando vierem as inundações e os ventos açoitarem-nos.” (3 Néfi 11:31-40)

E quanto aos princípios, consideremos estas palavras do Profeta Joseph Smith:

“Os princípios fundamentais da nossa religião são o testemunho dos apóstolos e profetas concernentes a Jesus Cristo; que Ele morreu, foi sepultado, e ressurgiu no terceiro dia, e ascendeu aos céus; e todas as outras coisas que pertencem à nossa religião são meros apêndices disto. Mas em associação com estas, cremos no dom do Espírito Santo, no poder de fé, no desfrutar de dons espirituais de acordo com a vontade de Deus, na restauração da casa de Israel, e no triunfo final da verdade.” (Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, tradução livre da página 121 em inglês)

  

Como consequências destas doutrinas e princípios nós temos leis, convênios, e ordenanças. Leis são requerimentos e expectativas divinas reveladas pelo Senhor a seus profetas vivos. Estes requerimentos e expectativas são então propostos à Igreja em reuniões formais, onde por meio de ordenanças específicas administradas por portadores autorizados do sacerdócio, membros de Igreja fazem convênios solenes de aceitar e obedecer tais leis.

Por exemplo, o Senhor revelou ao Profeta Joseph Smith o mandamento de tomar sobre nós o nome de Cristo, lembrarmo-nos sempre dele, e guardar seus mandamentos. Este requerimento divino é aceito pelos membros da Igreja através de um convênio feito a princípio na ordenança do batismo e mais tarde renovado na maioria dos domingos de cada ano na ordenança do sacramento.

A falta de obediência à estas leis e o não-recebimento destas ordenanças e convênios trarão uma trágica decepção na próxima vida. O Profeta Joseph Smith ensinou:

 “Se os homens desejarem obter salvação, eles precisam se sujeitar, antes de sairem deste mundo, a certas regras e princípios, os quais foram fixados por um decreto inalterável antes do mundo existir. O desapontamento de esperanças e expectativas na ressurreição seriam indescritivelmente terríveis.” (Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, tradução livre da página 324 em inglês)

Convênios são tão importantes para a nossa salvação e exaltação que Néfi foi advertido por um anjo que um dia a grande e abominável igreja–num esforço de “... perverterem os caminhos retos do Senhor, [e ... ] cegarem os olhos e endurecerem o coração dos filhos dos homens”–tiraria das escrituras muitos dos convênios do Senhor (ver 1 Néfi 13:26-27).

“Padrões” são um recurso que nos ajuda a vivermos em harmonia com as leis e convênios, e a nos prepararmos para receber ordenanças. Estes podem ser definidos como conjuntos de regras de comportamento, modelos, ideais, e limites instituídos por profetas vivos e às vezes por líderes locais adequadamente autorizados e também por líderes familiares.

Por exemplo, alguns meses atrás nosso profeta, Presidente Gordon B. Hinckley, instituiu um padrão específico a respeito de perfurações no corpo e tatuagens. Desde o início da Igreja profetas têm instituído, modificado, ou mantido inalterados vários padrões que lidam com vestuário, asseio, namoro, danças, decoro e etiqueta em reuniões e atividades da Igreja, etc. Sob a direção da Primeira Presidência e do Quorum dos Doze, presidências de área podem adaptar alguns destes padrões levando em conta práticas culturais locais ou nacionais concernentes a casamentos, imposições legislativas, etc. Seguindo padrões instituídos pelas autoridades formais da Igreja, as famílias também podem instituir padrões para seus próprios lares, os quais lidarão com reuniões familiares, vestuário e comportamentos no lar, atividades aceitáveis no domingo, e assim por diante.

 

   Além de doutrinas, princípios, leis, convênios, ordenanças, e padrões, nós encontramos outro elemento comum. Este elemento não é originado nos céus, mas sim no arbítrio moral que o Senhor deu a cada ser humano (Doutrina & Convênios 101:78). Dou a este elemento o nome de “sabedoria popular,” a qual inclui os costumes sociais, provérbios, slogans, chavões, estereótipos, e até mesmo banalidades divulgadas informalmente ou por algum meio de comunicação social. Vários destes exibirão algum grau de harmonia com as leis divinas e com os padrões da Igreja. Podemos dizer que foi a esses elementos que o Senhor se referiu quando nos ordenou: “... nos melhores de livros buscai palavras de sabedoria” (Doutrina & Convênios 88:118). Entretanto, outros dentre esses elementos podem de alguma forma contradizer as verdadeiras doutrinas e padrões de evangelho.

Permita-me citar um exemplo comum dessa discordância: Um dia que eu estava na casa de amigos Santos dos Últimos Dias bondosos e fiéis. Ao olhar na sua sala eu notei um belo cartaz que trazia o seguinte ditado: “Eu nunca disse que seria fácil; eu só disse que valeria a pena.” 

O pronome na frase sugeria que essas palavras teriam sido declaradas pelo Salvador. Expliquei ao meu anfitrião que em realidade o Salvador nunca tinha expressado a idéia de que viver o evangelho não seria fácil--muito pelo contrário, ele declarou: “... o meu jugo é suave e o meu fardo é leve.” (Matthew 11:30 - em inglês lê-se: “My yoke is easy”). Meu anfitrião então declarou: “É mesmo. O Salvador disse o oposto.” Mas após um momento de reflexão a pessoa adicionou: “Mas a declaração é tão linda ... Vou mantê-la onde está.” Com tal resposta, eu mudei de assunto.

Encontramos outro exemplo de discordância na alegoria popular intitulada “Pegadas na Areia”, a qual traz a idéia não-inteiramente-exata de que o Senhor literalmente carregará seus filhos nos seus braços em épocas de provação e adversidade. Em realidade, o Senhor nunca prometeu isentar-nos dos desafios da mortalidade. Fazê-lo requereria a violação de alguns dos propósitos da vida mortal. Ele apoiará, fortalecerá, e encorajará seus filhos, e com seu auxílio divino nós sobrepujaremos as adversidades.

Simplesmente porque um ditado soa crível, poético, terno, ou doce, não quer dizer que seja doutrinariamente correto. E se uma idéia doutrinariamente incorreta fosse usada para “promover fé”, que tipo de fé ela iria promover?

Nesse ponto alguém poder perguntar: “Mas o Salvador não usou parábolas e alegorias?” E a resposta seria, “Sim, ele o fez.” Mas se observarmos a maneira como o Salvador enunciou suas parábolas veremos que ele nunca retratou aquelas situações como se elas realmente tivessem acontecido. E o Senhor pôs ênfase no significado simbólico dos elementos, circunstâncias, e ações das parábolas. E em nenhum exemplo atualmente conhecido uma parábola teve o Salvador ou seu Pai Eterno como personagens.

A adoção de idéias e conceitos que soem doces e poéticos, mas que não estejam em harmonia com as doutrinas do evangelho restaurado, reduz Cristo e seu evangelho ao nível de mais uma das filosofias dos homens. Se o relato de uma experiência aparentemente espiritual é em parte ou completamente imaginário, nenhuma fé para a salvação poderia ser exercitada, e a esperança infundada de que tais acontecimentos imaginários pudessem um dia se tornar realidade certamente levaria à frustração e mágoa.

Preciso esclarecer que eu não estou pregando contra o uso de verdadeiros relatos históricos e escriturísticos propriamente documentados. Mas sempre que usarmos tais relatos precisamos considerar as seguintes palavras do Profeta Joseph Smith:

“A leitura da experiência de outros, ou de uma revelação dada a eles, nunca pode nos dar uma visão completa de nossa condição e verdadeira correspondência com Deus. O conhecimento destas coisas só pode ser obtido por experiência através das ordenanças de Deus estabelecidas para este propósito.” (Ensinamentos do Profeta Joseph Smith, tradução livre da página 324 em inglês)

O estudo de relatos históricos e das experiências e testemunhos de outros é importante porque nos mostram os “precedentes legais” de bênçãos que nós podemos, pelo exercício da fé, obter para nós mesmos por meio das ordenanças instituídas para sua concessão. Estas bênçãos irão por sua vez produzir salvação--não a salvação eterna, mas uma salvação temporal dos males, vicissitudes, e sofrimentos do estado mortal.


Falsa Imagem #3: O Companheiro Divino
Este última imagem em meu discurso tem a ver com o uso dos termos “amigo” e “Irmão mais velho” ao se referir ao Salvador. Esta imagem não é tão séria quanto as duas primeiras, porque em sua essência não é uma imagem falsa. Mas quero indicar que o potencial para abuso faz com que esta imagem de Cristo requeira uma consideração cuidadosa.

Acredito que as pessoas que usam essas expressões têm boas intenções. Elas o fazem como um meio de expressar seu amor pelo Salvador. Entretanto, nas escrituras nós não achamos nenhum exemplo ou apoio a esta prática. Pelo contrário, durante seu ministério mortal o Salvador frequentemente manteve uma reverente “distância social” entre sua pessoa e seus discípulos.

Por exemplo, quando ele decidiu pagar o tributo do templo de forma milagrosa, ordenou a Pedro que desse o dinheiro: “... por mim e por ti.” (Mateus 17:27) Após a sua ressurreição ele ordenou a Maria Madalena que dissesse aos discípulos: “... eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus vosso Deus.” (João 20:17)

O Élder James E. Talmage explicou:

“Note-se que Ele não disse ‘para nós.” Nas suas associações com homens, mesmo com os Doze, que entre todos eram as pessoas mais próximas e queridas dele, nosso Senhor sempre manteve Seu status distinto e incomparável, tornando aparente em cada exemplo o fato de que Ele era essencialmente diferente dos outros homens. Isto é ilustrado pelas Suas expressões ‘Meu Pai e vosso Pai’, ‘Meu Deus e vosso Deus’, em vez de nosso Pai e nosso Deus. Ele reverentemente reconhecia que era o Filho de Deus num sentido literal que não se aplicava a nenhuma outra pessoa.” (Jesus o Cristo, tradução livre da página 356 em inglês)

Quando o Salvador ressurreto apareceu aos Nefitas e Lamanitas, Néfi, que então já havia sido um profeta do Senhor por três décadas, saudou-o inclinando-se e beijando os pés do Senhor (3 Néfi 11:19). Os irmãos e irmãs Lamanitas e Nefitas que foram curados pelo Salvador naquela ocasião momentosa fizeram a mesma coisa (3 Néfi 17:10). Quando o Profeta Joseph Smith e Sidney Rigdon receberam a visão dos reinos de glória, eles testificaram que diante do Senhor “... todas as coisas curvam-se em humilde reverência e dão-lhe glória para todo o sempre.” (Doutrina & Convênios 76:93) Em minha mente estes exemplos descrevem o tipo de relacionamento que nós temos com o Salvador. Na sua bondade e misericórdia ele nos chama de “amigos”, enquanto nós–tal como o apóstolo Tomé na sua reverente confissão–respeitosamente o chamamos “Senhor meu, e Deus meu.” (João 20:28) Até mesmo os santos anjos quem vivem na presença de Deus (Doutrina & Convênios 76:21; 130:6-7) respeitosamente se referem a ele como “o Senhor”.

Nas escrituras nós encontramos vários exemplos nos quais o Senhor chamou de amigos seus profetas, apóstolos, ou alguns élderes da sua Igreja que tinham dedicado suas vidas e posses ao serviço do reino (veja Tiago 2:23; Doutrina & Convênios 45:52; 84:63; 88:3; 93:45-46; 94:1; 97:1; 98:1; 103:1; 104:1; 105:26). Estes exemplos mostram claramente que é o Senhor quem inicia o uso do termo “amigo”. Lábios impuros não declaram esta amizade. Espero que todos nós nos esforçemos para viver suficientemente dignos de ser chamados por ele, seus amigos.

E quanto ao uso do título apropriado “Irmão mais velho”, eis o que profetas vivos em 1916 ensinaram à Igreja numa declaração conjunta:

“Não há nenhuma impropriedade ... em falar de Jesus Cristo como o Irmão mais velho do resto da espécie humana. ... Entretanto, não se esqueçam que Ele é essencialmente maior que tudo e todos ...” (Messages of the First Presidency 5:34; 30 de Junho de 1916; tradução livre)

Num serão missionário em 1998, o Élder M. Russell Ballard, do Quórum dos Doze, explicou o seguinte:

“Ocasionalmente ouvimos alguns membros referir-se a Jesus como nosso Irmão mais velho, o que é um conceito verdadeiro baseado em nosso entendimento da vida de pré-mortal com nosso Pai Celestial. Mas como muitos outros pontos de doutrina no evangelho, as palavras desta verdade não são suficientes para descrever o papel do Salvador em nossas vidas e Sua grande posição como um membro da Trindade.

“Com isso, alguns Cristãos não-membros da Igreja se sentem incomodados com o que eles percebem ser um papel secundário dado a Cristo em nossa teologia. Eles acham que nós vemos Jesus como um companheiro espiritual. Acreditam que vemos Cristo como um implementador ... para Deus e que nós não o vemos como Deus para nós e para toda humanidade.

“... Podemos entender por quê alguns Santos dos Últimos Dias tendem a se concentrar na Filiação de Cristo ao invés de na sua Divindade. [... Nós] conseguimos nos relacionar com Ele como Filho e Irmão porque sabemos como nós mesmos nos sentimos como filhos e irmãos. ... E dessa forma, numa tentativa de achegarem-se a Cristo e de cultivar sentimentos ternos em relação a Ele, algumas pessoas tendem a humanizá-lo, às vezes à custa do reconhecimento de Sua Divindade.

“Vamos então esclarecer este ponto: conquanto seja verdadeiro que Jesus era nosso Irmão mais velho na vida pré-mortal, acreditamos que nesta vida é crucial que sejamos ‘nascidos de novo’ como Seus filhos e filhas no convênio do evangelho.” (“Building Bridges of Understanding” - “Construindo Pontes de Entendimento”, serão missionário transmitido via satélite - Logan, Utah, 17 de fevereiro de 1998 - tradução livre)


Conclusão: Isso Importa?
Após todas estas considerações, alguém poderá perguntar: Mas e se algumas destas imagens de Cristo me são queridas? O que há de errado em usar uma imagem que, embora não inteiramente exata sob o ponto de vista doutrinário, ainda faz com que eu me sinta bem?

Em primeiro lugar, devemos considerar que estamos lidando com assuntos sagrados, os quais o Senhor ordenou que mencionássemos “... com cuidado, e por indução do Espírito ...” (Doutrina & Convênios 63:64). Depois, devemos considerar que falsas imagens do Salvador constitutem uma distorção da verdadeira religião. Se uma religião se tornasse unicamente uma fonte de descrições filosóficas, de satisfação emocional, ou simplesmente de entretenimento, qual seria o papel ou necessidade de mandamentos, convênios, ordenanças, revelações, escrituras, e incontáveis horas de serviço voluntário?

Precisamos considerar também o risco de trivializar assuntos sagrados, e a conseqüente dessensibilização quanto à experiências espirituais, o que poderia tornar uma pessoa cética em relação aos testemunhos de outros. Com o tempo, tal atitude poderia levar à secularização da religião–tornando-a um mero código de conduta ou uma mera filosofia de vida sem qualquer dimensão espiritual real ou conexão divina.

Em conclusão, vamos revisar as palavras do próprio Senhor a seu respeito:

“Assim diz o Senhor vosso Deus, Jesus Cristo, o Grande Eu Sou, o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim, aquele que olhou por sobre a vasta extensão da eternidade e todas as hostes seráficas dos céus antes que o mundo fosse feito;

“Aquele que conhece todas as coisas, porque todas as coisas estão presentes diante de meus olhos;

“Eu sou aquele que falou e o mundo foi feito; e todas as coisas por mim vieram a existir.

“Sou aquele que arrebatou a Sião de Enoque para meu próprio seio; e em verdade eu digo que todos os que creram em meu nome, pois eu sou Cristo, e em meu próprio nome, em virtude do sangue que derramei, por eles intercedi perante o Pai.

“Mas eis que o restante dos iníquos mantive em cadeias de trevas até o julgamento do grande dia, que se dará no fim da Terra; E assim farei que sejam mantidos os iníquos que não ouvirem minha voz, mas endurecerem o coração; e terrível é sua condenação.

“Mas eis que em verdade, em verdade vos digo que meus olhos estão sobre vós. Estou no meio de vós e não me podeis ver; Mas logo vem o dia em que me vereis a sabereis que eu sou; porque o véu da escuridão logo será rasgado e aquele que não estiver purificado não suportará esse dia.” (Doutrina & Convênios 38:1-8)

Testifico que Deus, nosso Pai Celestial, vive. E que seu filho Jesus Cristo também vive. Seu evangelho certamente pode reformar as sociedades e trazê-las à Sião–mas ele é mais que um simples reformador social. Cristo certamente pode motivar-nos a alcançar o potencial divino que existe em cada um de nós–mas motivação é um efeito colateral da uma aceitação das leis e convênios do evangelho. No mundo pré-mortal Cristo era nosso Irmão mais velho, mas ele é muito mais–Ele é o Senhor Deus Onipotente, e através de sua expiação tornou-se o Pai de todos os que aceitam seu evangelho. Oro para que todos nós vivamos dignos de ser chamados por ele, seus amigos. Em nome de Jesus Cristo. Amém.


Marcus Helvécio T. A. Martins, originalmente do Rio de Janeiro, Brasil, é Professor de Religião na Universidade Brigham Young-Havaí.


Correspondência:

Marcus H. Martins, Ph.D.
Chefe, Departmento de Educação Religiosa
Brigham Young University-Hawaii
Laie, Hawaii, USA   96762
E-mail:  martinsm@byuh.edu

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