O Corpo: Primeira Mordomia
& Liahona do Espírito
Marcus
H. Martins, Ph.D.
Ensaio
Postado na Mídia Social - 2014
Introdução
Ao longo dos anos
eventos marcantes me levaram repetidamente a ponderar
sobre o papel do corpo humano no plano divino de
salvação. Deixei este
assunto de lado por mais de uma década, mas uma conversa
recente com
uma amiga me levou a finalmente escrever um comentário sobre
o
assunto. Aqui está uma versão editada e expandida
do que escrevi
naquela ocasião.
No Livro de Mórmon o Profeta Alma chamou o plano de salvação de "o grande plano de felicidade". (Alma 42:8) Por volta de 1840 o Profeta Joseph Smith declarou: "O grande plano de felicidade consiste em ter um corpo." (Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Joseph Smith, p. 220)
Eu
era um rapaz em meados dos anos 70 quando li esta
declaração pela primeira vez, e desde então eu a
tenho considerado como uma das mais profundas e extraordinárias
verdades do evangelho restaurado de Jesus Cristo. No mundo
imperfeito e decaído as filosofias dos homens veem o corpo
humano como um mero objeto para gratificação pessoal ou
para admiração estética, ou então como um
fardo temporário a ser desprezado. Felizmente,
através de profetas modernos o Senhor restaurou o conhecimento
de que o corpo humano, independente de quaisquer enfermidades,
imperfeições, ou outras limitações mortais,
é um dom divino indispensável para o nosso progresso
eterno.
A Primeira Mordomia
Podemos
entender o corpo como a primeira mordomia ou encargo que recebemos de
Deus ao entrarmos no ambiente terreno, e ao mesmo tempo ele é um
elemento absolutamente imprescindível na obtenção
de futuras glórias, honras, e privilégios eternos muito
além da nossa atual compreensão mortal. Sem um
corpo tangível de carne e ossos não há como
desfrutar de glória imortal, e sem um corpo os espíritos
se consideram aprisionados, escravizados, ou subjugados, e anseiam pela
ressurreição (Doutrina & Convênios 45:17; 138:50).
Por meio de seu sacrifício expiatório o Salvador Jesus
Cristo garantiu à toda a humanidade uma futura
ressurreição, através da qual o software da vida
será aplicado à matéria incorruptível, e
todos receberão novamente seus corpos, livres de
limitações, imperfeições, e enfermidades
mortais, e vestidos com a medida de glória eterna que cada
pessoa estiver disposta e preparada para receber (Doutrina & Convênios 88:21-24, 27-39).
Uma "Liahona" para o Espírito
Ao
ponderarmos sobre o que o evangelho restaurado de Jesus Cristo ensina
sobre o corpo humano, passamos a vê-lo como uma ferramenta, ou
figurativamente como parte de uma "liahona", por assim dizer, para os
nossos espíritos eternos. A Liahona dada ao Profeta Leí
era um objeto construído esmeradamente—primoroso, belo,
excelente—ativado (ou "vivificado") pelo poder de Deus quando seus
usuários exerciam fé no Senhor (1 Néfi 16:10, 28-29). E a Liahona guiou a família de Leí aos lugares mais férteis do deserto (versículo 16).
Vejo
nisso uma analogia com o corpo humano na jornada mortal rumo à
glória eterna. O corpo também é
construído esmeradamente, e não é
necessário um diploma em medicina para reconhecer que o corpo
humano é uma maravilha, um espetáculo magnífico e
inigualável, seja em termos mecânicos, bioquímicos,
hidrodinâmicos, elétricos, computacionais, ou
estéticos. O corpo humano foi o ponto culminante da
criação divina, e o único item na
criação identificado como sendo a "imagem e
semelhança de Deus" (Gênesis 1:27).
Quando aceitamos a doutrina de Jesus Cristo e recebemos as
ordenanças do batismo por imersão e da
imposição das mãos para o dom do Espírito
Santo, nossos corpos deixam de ser meros organismos biológicos
complexos e passam a ser a habitação do Espírito
do Senhor, ou "templos".
"E, se o Espírito daquele que dos mortos ressuscitou a Jesus habita em
vós, aquele que dos mortos ressuscitou a Cristo Jesus há de vivificar
também os vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que em vós habita." (Romanos
8:11)
"E a luz que brilha, que vos ilumina, vem por meio daquele que ilumina
vossos olhos; e é a mesma luz que vivifica vosso entendimento." (Doutrina
& Convênios 88:11)
"Pois o homem é espírito. Os elementos são eternos, e espírito e
elemento, inseparavelmente ligados, recebem a plenitude da alegria; E,
quando separados, não pode o homem receber a plenitude da alegria. Os
elementos são o tabernáculo de Deus; sim, o homem é o tabernáculo de
Deus, ou melhor, templos ..." (Doutrina & Convênios
93:33-35)
Ao vivermos de modo a termos a "companhia constante" do Espírito Santo (D&C 121:46; no dicionário: "constante (adj.): firme; invariável; confiável")
seremos guiados aos "lugares mais férteis" desta vida, e
progrediremos e prosperaremos em nossos empreendimentos justos--sejam
estes relacionados a famílias, profissões, ou outras
associações e assuntos terrenos. E por meio das
ordenanças do evangelho de Jesus Cristo e de um comportamento em
harmonia com seus princípios e padrões, obedecendo aos
mandamentos divinos, nossos espíritos recebem a
orientação e poder divinos necessários para que um
dia possamos entrar com nossas famílias em mundos de
glória, a nossa "terra prometida" na eternidade.
Respeito e Reverência para com o Corpo
O
Profeta Joseph Smith ensinou: "O desígnio de Deus antes da
fundação do mundo era que deveríamos receber um
tabernáculo [corpo], que por meio da fidelidade
deveríamos vencer, e assim obter a ressurreição
dos mortos, recebendo, desse modo, glória, honra, poder e
domínio." (Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Joseph Smith, p.220)
Assim
entendemos o papel indispensável do corpo humano em nossa
jornada eterna. E para que preservássemos o caráter
sagrado de nossos corpos, Deus nos deu através da "Luz de
Cristo", ou consciência, a sensação natural de
respeito e reverência para com o corpo. No mundo este
sentimento é chamado de pudor, recato, ou até mesmo
vergonha, mas na realidade é a Luz de Cristo nos lembrando que
estamos lidando com a mais sagrada de todas as criações
divinas, a única identificada como a "imagem e semelhança
de Deus".
Esta mesma influência divina nos leva a nos
apegarmos à vida e temermos a morte, como teria afirmado o
Profeta Joseph Smith: "Se as pessoas soubessem o que estava por
trás do véu, iriam tentar por todos os meios cometer
suicídio para que pudessem chegar lá. Mas o Senhor,
em sua sabedoria ... implantou o medo da morte em cada pessoa, para que
possam se apegar à vida e, assim, cumprir os desígnios de
seu Criador." (citado por Presidente Wilford Woodruff em 17 Agosto 1877 - em Larson & Larson, 'Diary of Charles Lowell Walker' 1:465-466)
A
fim de resguardar ainda mais o caráter sagrado do corpo e de
seus poderes, o Senhor decretou a Lei da Castidade, e inspirou seus
profetas em todas as dispensações a nos ensinar
padrões de vestuário e comportamento que nos ajudem a
viver em harmonia com esta lei, de acordo com nossas
circunstâncias. Um dia teremos que prestar contas de como
cuidamos desta designação. O Profeta Joseph Smith
declarou: "Viemos a este mundo com o objetivo de obter um corpo e poder
apresentá-lo puro diante de Deus no reino celestial." (Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Joseph Smith, p. 220)
O
corpo mortal foi designado pelo Deus dos céus para ser a
habitação de um espírito imortal e puro.
Certa ocasião, ao escrever à uma jovem sobre o respeito
ao corpo, eu declarei o seguinte—e eu teria escrito algo similar para
um rapaz: "O corpo é uma dádiva tão sagrada que
somente um único homem nesse planeta deveria vê-lo
descoberto: seu cônjuge. Só você—somente
você—escolherá o rapaz que receberá este raro e
precioso privilégio. E somente Deus e você
concederão a esse homem a permissão oficial para ter este
privilégio, através da autoridade do sacerdócio na
mais alta ordenança divina acessível aos mortais: o novo
e eterno convênio do casamento. Uma ordenança
tão sagrada que só pode ser oficiada em templos e
após várias etapas de preparação."
Vestimentas Simbólicas
O
corpo humano tem sido coberto de alguma forma desde as primeiras
dispensações do evangelho de Jesus Cristo. Textos
apócrifos sugerem que nossos primeiros pais, Adão e Eva,
estavam vestidos de glória ou luz enquanto viviam no Jardim do
Éden (Apocalipse de Moisés xx:3; xxi:6).
Com a queda, o primeiro casal perdeu aquela luz e fizeram para si
aventais, os quais o Senhor complementou com vestimentas ou "capas" de
pele. (Gênesis 3:21; Moisés 4:27 – no inglês, "coats of skins" – "forros" ou "camadas" de peles).
Desde
então vestimentas especiais também têm sido usadas
para representar simbolicamente autoridade e investiduras sacerdotais (Êxodo 40:13-14; Doutrina & Convênios 138:30 – no inglês, "clothed" – "vestidos" de poder e autoridade). Entre essas vestimentas, vale notar que véus têm sido usados para cobrir objetos sumamente sagrados (por exemplo, a arca do convênio – Êxodo 40:1-3),
e os rostos de pessoas consagradas (como no caso de Rebeca,
Moisés, e Elias), em locais santificados ou em eventos
relacionados com a mais alta ordem do sacerdócio, o novo e
eterno convênio do casamento (Genesis 24:64-65; Êxodo 34:30-35; 1 Reis 19:13).
O caráter sagrado do corpo é mais uma vez reiterado, pelo
fato de ser ancilário, em parte conduto e auxiliar, na
manifestação do poder do sacerdócio e da vida,
para a salvação eterna (Doutrina & Convênios 84:19-21).
O
corpo humano mortal possui poderes e capacidades cuja extensão
total nós mal podemos compreender, apesar de todo o nosso
conhecimento científico. Estes poderes e capacidades podem
ser usados neste mundo para fazer o bem e nos proporcionar grandes
alegrias, e por isso o Senhor ordenou que "[os] homens devem ocupar-se
zelosamente numa boa causa e fazer muitas coisas de sua livre e
espontânea vontade e realizar muita retidão. Pois
neles está o poder e nisso são seus próprios
árbitros. E se os homens fizerem o bem, de modo algum
perderão sua recompensa." (Doutrina & Convênios 58:27-28)
O
Salmista escreveu: "Quando contemplo os teus céus, obra dos teus
dedos, a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem,
para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites?
Contudo, tu o fizeste um pouco menor do que os anjos e o coroaste de
glória e de honra." (Salmos 8:3-5)
Formas de Vida Superiores e Inferiores
Aqui
vemos uma das grandes diferenças entre as filosofias do mundo e
as doutrinas do evangelho restaurado de Jesus Cristo. As teorias
científicas atuais, baseadas em ferramentas imperfeitas e
limitadas, só conseguem ver o ser humano como uma forma superior
de vida animal. As revelações recebidas das cortes
de glória eterna por profetas de Deus nos levam, pela fé,
a ver o ser humano como uma forma inferior de vida divina.
Por
outro lado, os poderes e capacidades do corpo podem ser utilizados de
formas não inteiramente em harmonia, ou até
contrárias às leis e princípios divinos. Ao
fazer isso uma pessoa descobre sensações físicas e
emoções exageradas que, ainda que "agradáveis" ao
corpo, não elevam a pessoa, não constroem um alicerce
para a eternidade, e em alguns casos reduzem a pessoa a um mero servo
de desejos, apetites, e paixões que por decreto divino devem ser
mantidos dentro de certos limites estabelecidos por Deus.
Em
vista disto, as instruções divinas que compõem a
"Palavra de Sabedoria" dada pelo Senhor aos membros de sua Igreja nos
últimos dias podem ser vistas como uma forma de "disciplina
espiritual". Através dela, santos dos últimos dias
demonstram sua devoção a Deus, aumentam a intensidade do
poder do sacerdócio em suas vidas, e se qualificam para grandes
bênçãos ainda a serem efetivadas em sua
plenitude. Volta e meia alguém pergunta se podemos ingerir
"isso-ou-aquilo", quando na verdade seria melhor perguntar: "Que medida
do poder divino eu quero em minha vida? E que influência essa
substância teria na minha sensitividade ao poder de Deus?"
A
orientação divina que chega a nós através
da Luz de Cristo nos convida a exercer nosso arbítrio moral e
dominar os desejos, apetites, e paixões do corpo mortal (Doutrina & Convênios 93:30-31; 101:78).
Quando um grande número de pessoas segue a boa
consciência, a Luz de Cristo, as normas sociais tendem a ser
baseadas nessa orientação divina. Quando isso
não acontece, e as pessoas resistem à influência da
Luz de Cristo, a sociedade começa a degenerar (Mosias 29:26-27)
sob a influência nociva da mentalidade de "vale tudo" do
relativismo moral, que prega a ideia básica de que "Se eu acho
que é bom, ou se eu me sinto bem com isso, então
ninguém deve proibir".
Nosso Dever e Responsabilidade
O Presidente Brigham Young explicou claramente nossa tarefa com relação aos nossos espíritos:
"Não podemos herdar a vida eterna, a menos que sujeitemos nossos
apetites ao espírito que habita dentro de nós, o espírito que nosso Pai
Celestial nos concedeu. Refiro-me ao Pai dos espíritos, daqueles
espíritos que Ele colocou em nossos respectivos tabernáculos. O
tabernáculo deve sujeitar-se de maneira perfeita ao espírito, ou não
poderá levantar-se para herdar a vida eterna. (…) Busquem
diligentemente, até sujeitar todas as coisas à lei de Cristo." (Ensinamentos
dos Presidentes da Igreja: Brigham Young, p.204)
O Senhor disse:
"E agora, em verdade, em verdade eu te digo: Põe tua confiança naquele
Espírito que leva a fazer o bem—sim, a agir justamente, a andar em
humildade, a julgar com retidão; e esse é o meu Espírito. Em verdade,
em verdade eu te digo: Dar-te-ei do meu Espírito, o qual iluminará tua
mente e encher-te-á a alma de alegria" (Doutrina &
Convênios 11:12-13).
"Bem-aventurado é o que guarda meus mandamentos, seja na vida ou na
morte; e o que é fiel nas tribulações recebe maior recompensa no reino
do céu. Por agora não podeis, com vossos olhos naturais, ver o desígnio
de vosso Deus com respeito às coisas que virão mais tarde nem a glória
que se seguirá depois de muitas tribulações. Pois após muitas
tribulações vêm as bênçãos. Portanto vem o dia em que sereis coroados
de muita glória; ainda não é chegada a hora, mas está próxima.
Lembrai-vos disto, que eu vos digo de antemão, para que o guardeis no
coração e recebais o que se seguirá. ... Não podeis suportar a presença
de Deus agora nem o ministério de anjos; portanto continuai
pacientemente até que sejais aperfeiçoados." (Doutrina &
Convênios 58:2-5; 67:13)
E quanto ao futuro, o Profeta Joseph Smith ensinou:
"Enquanto uma parte da raça humana julga e condena a outra sem
misericórdia, o Grande Pai do universo olha para toda a família humana
com preocupação e cuidado paternos; Ele os considera Seus filhos e ...
Ele é um sábio Legislador e julgará todos os homens, não de acordo com
as noções mesquinhas e estreitas dos homens, mas 'de acordo com as
obras feitas no corpo, sejam elas boas ou más' ...
"Não precisamos duvidar da sabedoria e inteligência do Grande Jeová;
Ele concederá julgamento ou misericórdia a todas as nações de acordo
com seus vários méritos, seus meios de obter inteligência, as leis
pelas quais foram governados, as condições que lhes foram concedidas
para obter informações corretas e os inescrutáveis desígnios Seus em
relação à família humana; e quando os desígnios de Deus forem
manifestados e a cortina do futuro for aberta, todos teremos que
confessar no final que o Juiz de toda a Terra agiu corretamente." (Ensinamentos
dos Presidentes da Igreja: Joseph Smith, p.426)
Por
meio das revelações divinas concedidas nos últimos
dias, podemos nos sentir extremamente gratos pela
bênção divina de possuir um corpo mortal, e pelas
oportunidades e privilégios que nos estão
disponíveis através dele.
Marcus
H. Martins é professor de religião e
liderança e ex-decano de educação
religiosa na Brigham Young University-Hawaii. Ele escreveu o livro
"Setting the Record Straight: Blacks and the Mormon Priesthood"
("Fazendo o Registro Correto: Negros e o Sacerdócio
Mórmon") e o
manuscrito "The Priesthood: Earthly Symbols and Heavenly Realities" ("O
Sacerdócio: Símbolos Terrenos e Realidades
Celestiais"). Ele discursou
em conferências e eventos nos Estados Unidos (onde vive desde
1990),
Brasil, China, Inglaterra, Hong Kong, Japão,
Malásia, Ilhas Marshall,
Portugal, Catar e Cingapura. O irmão Martins ingressou na
Igreja de
Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias em 1972 e tornou-se
o primeiro
santo dos últimos dias com ascendência negra
africana a servir uma
missão de tempo integral após a
Revelação de 1978. Ele serviu duas
vezes como bispo, sete vezes como sumo conselheiro de estaca,
três
vezes como oficiante do templo, tradutor do Livro de Mórmon
e
presidente da Missão Brasil São Paulo Norte com
sua esposa, Mirian
Abelin Barbosa. O casal tem quatro filhos e oito netos.
Copyright -
Marcus H. Martins, 2014