Encontrar a Verdade em um Mundo de Ficção: Uma Carta para Meus Alunos
Prof. Dr. Benjamin Huff
The Deseret News – Salt Lake City, Utah - 30 Julho 2021
Tradução: Prof. Dr. Marcus H. Martins
https://www.deseret.com/opinion/2021/7/30/22547621/how-to-find-truth-in-a-world-of-fiction-harvard-solzhenitsyn
Queridos alunos,
A
confusão e cacofonia de opiniões conflitantes que hoje
vocês veem ao seu redor tem gerado um efeito profundo em todos
vocês. É natural que isso aconteça. Os americanos
discordam dramaticamente em uma ampla gama de questões,
incluindo muitas das mais importantes.
A
mudança climática é uma ameaça urgente
à segurança nacional ou uma esplendorosa mentira
inventada por ativistas? O socialismo é o caminho para a
prosperidade para todos ou para a pobreza para todos, exceto para a
classe dominante? Os EUA são o país menos racista do
planeta ou um país fundado para preservar a escravidão?
Em cada questão, metade do país sente fortemente de uma
maneira, e a outra metade afirma apaixonadamente o oposto. Discordamos
nas questões em que mais precisamos com urgência da
verdade.
Face
ao que vocês veem, pode ser difícil levar a sério a
ideia de que poderia haver uma “verdade objetiva”, mesmo em algumas das
questões onde mais queremos dizer que ela existe. Se existe uma
maneira definitiva e correta de entender o mundo, como é que
tantas pessoas podem estar completamente erradas e por que nossos
debates parecem não levar a lugar nenhum?
Um
dos objetivos centrais da educação é a habilidade
de ver além da cegueira do momento cultural. E neste momento a
nossa cultura está seriamente cega. Considerando quão
profunda e amplamente discordamos, não há dúvida
de que pelo menos metade de nós estamos seriamente errados sobre
um número significativo de questões profundamente
importantes. No entanto, se vocês acham que a discordância
que veem ao seu redor é prova de que não existe uma
verdade objetiva, você está dando às pessoas um
crédito excessivo.
A
verdade objetiva não significa algo com que todos já
concordam. Significa algo com que todos deveriam concordar, se
despendessem tempo e se dessem ao trabalho de estudar as
evidências e descobri-las. Quantas pessoas estão fazendo
isso?
O
fato de que muitas pessoas que vocês ouvem falando ruidosamente
ao seu redor claramente não estão em contato com a
verdade objetiva não significa que ela não existe.
Significa que, se vocês quiserem entrar em contato com a verdade
objetiva, terão de enxergar melhor do que elas.
Aqui
estão algumas excelentes palavras de Aleksandr Solzhenitsyn,
proferidas em um discurso de formatura em Harvard, que me levaram a
escrever para vocês:
“O
lema de Harvard é ‘Veritas’. Muitos de vocês já
descobriram e outros descobrirão no curso de suas vidas que a
verdade nos escapa se não nos concentrarmos com
atenção total em sua busca.”
A
verdade é ilusória, mas podemos encontrá-la.
Muitas verdades importantes que conhecemos hoje quase não eram
conhecidas por ninguém durante a maior parte da história
humana. A maioria das pessoas pensava que era óbvio que o sol
gira em torno da Terra até que Galileu e Kepler mostraram o
oposto. Todos podem ver que as crianças herdam
características de seus pais, mas ninguém conseguia
explicar porquê até a descoberta do DNA na década
de 1950. Existem muitas verdades que são conhecidas
objetivamente e geralmente aceitas. Podemos até nos esquecer
delas porque ninguém está discutindo sobre elas. Essas
verdades parecem bem definidas agora, mas podem ter requerido enorme
habilidade, criatividade e persistência para descobri-las e
torná-las claras para os outros. O mesmo é verdade para
muitas verdades importantes de hoje. Outras verdades podem não
exigir habilidade ou criatividade para serem aprendidas, mas requerem
um coração puro.
A
busca rigorosa da verdade exige coragem e autoconfiança, em
parte porque a maioria das pessoas não está fazendo essa
busca, e hoje muitas delas mal sabem o que significa a verdade.
Frequentemente, as pessoas parecem adotar crenças mais para
expressar sua filiação tribal do que como
declarações sobre “as coisas como são” no mundo.
Em contraste, a busca rigorosa da verdade significa ser muito exigente
sobre até que ponto acreditar no que as pessoas ao seu redor
estão dizendo.
Isso
é especialmente verdadeiro na era da internet, quando a maioria
das mensagens que vocês ouvem são projetadas para trazer
(para alguém) dinheiro, popularidade, emoções
eletrizantes e poder. A verdade está bem abaixo na lista de
prioridades quando a fala é comercializada ou priorizada pelo
número de visualizações ou “curtidas”.
Construímos mecanismos elaborados para recompensar as pessoas
que nos dizem o que queremos ouvir, sem importar se aquilo é
verdade.
Quanto
mais rica a mídia que podemos facilmente produzir e disseminar
com nossos dispositivos sofisticados, mais eficazmente as pessoas podem
atingir os objetivos de dinheiro, popularidade, emoções
eletrizantes e poder de formas desconectadas da realidade. Agora temos
largura de banda suficiente para enterrar a realidade sob uma montanha
de fabricações — outra palavra para ficção
— ou até mesmo de fantasia. Quanto mais nos imergimos em nossa
mídia, seja entretenimento ou “curtidas” ou teatro
político, mais nos afundamos em um mundo fabricado onde a
verdade é cada vez mais invisível.
Em
outras palavras, existem circunstâncias especiais hoje, que
surgiram apenas em nossa vida, que tornam excepcionalmente
difícil encontrar ou ter confiança na verdade.
Construímos um ecossistema social de pensamento que é
ativamente hostil à verdade. De fato, construímos um
ecossistema de informações no qual a controvérsia
— discordar dramaticamente uns com os outros — é uma das
mercadorias mais lucrativas. Nossa “era da informação”
tornou a verdade ainda mais difícil de ser encontrada do que
antes, e deu ainda maior poder à ignorância e à
manipulação. Para enxergar a verdade, então,
é necessário encontrar o caminho em meio ao nevoeiro
social e ao labirinto de espelhos da internet.
Talvez
vocês não se sintam muito confiantes de que
enxergarão a verdade quando tantas pessoas aparentemente
inteligentes, bem credenciadas, e institucionalmente validadas ao seu
redor não conseguem ver ou estão ativamente a deturpando.
Vocês são jovens, e encontrar a verdade é
difícil, mas não desistam. A verdade está
lá fora, por trás, por baixo e além do nevoeiro e
dos espelhos, e continua a ser de vital importância. De fato,
às vezes a verdade é óbvia. Diante do seu nariz.
Quando estiverem em contato com ela, a verdade fornecerá
recompensas muito maiores do que nossas ficções, por mais
poderosas que sejam. A verdade nos salvará de perigos que
nenhuma quantidade de ofuscação de multimídia pode
eliminar. Ainda vivemos em um mundo real, quer estejamos prestando
atenção a ele ou não.
A
verdade, pelo menos sobre as questões mais difíceis e
urgentes, frequentemente não é fácil de encontrar.
No entanto, não chega a ser tão difícil quanto
vocês poderiam pensar, considerando os níveis de
confusão e erro que vocês veem em nosso circo cultural, no
qual ao pensamento mais superficial é dado o maior megafone.
Dê algum crédito a si mesmo e continue buscando.
Saudações,
BH
Benjamin Huff é professor of Filosofia na Faculdade Randolph-Macon.